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domingo, 27 de dezembro de 2009

Ao som de "Bound for infinity"

Posto aqui um poema que fiz ouvindo "Bound for infinity", Cd Prologue, do grupo Renaissance. Convido a quem queira ler o poema, a ouvir junto a canção, clicando no vídeo abaixo, para refazer o processo de criação. Agradeço e remeto ao YOUTUBE, de onde copiei a execução (clique aqui).




Ao som de “Bound for infinity”

Eliane F.C.Lima

(Ler, devagar, do início da voz feminina)

Abrem-se as águas do verde
e os vários verdes vão-se misturando.
Abrem-se as almas do verde.
E as várias almas vão-se misturando.
O caminho é longo.
Há um túnel em espiral horizontal
e as águas vão-se abrindo, girantes.
Penetro e penetro e penetro.
Misturam-se as águas do verde.
E as almas vão-se espiralando.
E nadando e voando nesse céu de águas.
E o túnel é contínuo.
Penetro na garganta do mar,
que me engole,
a girar no compasso do som.

(Pausar. Reiniciar apenas no refrão, lendo mais rapidamente)

E o verde é o somente,
o sempre desejável verde,
no vazio e no cheio da instável alma do mar.
O contínuo de ir me leva à paz,
que tem o gosto do odor do verde.
Paraíso liquefeito,
me acaricia por inteiro.

O amor é verde,
o carinho é verde,
verde tom, verde tontura, verde bom,
verde boca, verdes olhos, verdes pernas
que vão.
Túnel contínuo e longo,
que não acaba, mas cabe
no verde da invasão.

(Seguir a beleza da voz feminina até o final).

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Viagem

Eliane F.C.Lima

Vaguear.
Pelo inverso,
veneno.

Viés.
Ao invés,
via.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A estrada

Eliane F.C.Lima

Sigo esquecendo quem me esqueceu,
que da vida o que eu queria eram as lembranças.
São sombras vagas, vagas as pegadas,
apenas marcas que já não se acham.
Pego a taça, que está vazia,
aspiro o fundo, cheiro esquecido.
Só uma manchinha de afetos idos,
abandonada como última gota.
Até a taça – estará rachada? –
está largada sobre a pedra fria.
Onde andarão os amigos, companheiros,
aqueles que comigo sempre iam,
os que me davam a mão, me afagavam,
na verdade, os que sempre me queriam?
Ando lembrando quem me esqueceu,
embora não vislumbre um rosto firme,
sombras de sombras, vultos enlutados.
Em algum lugar, a festa segue,
as vozes riem, as mãos se entrelaçam.
Em algum lugar, a dança voa,
as conversas se rompem e se retomam.
Em algum lugar, pessoas amam,
se odeiam, se divertem ou se casam.
Em algum lugar... será passado?

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Remida

Se desejar ver maior, clique sobre a imagem.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Ação

Eliane F.C.Lima

Sou mãe.
Mas um homem não me fez um filho.
No mínimo:
um homem fez um filho comigo.
No máximo:
meu óvulo, ativo,

atraiu espermatozóides,
espavoridos,
pegou um pelo rabo.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Ressurreição

Eliane F.C.Lima

A primeira vez em que nasci,
foi à força que eu saí,
frágil, fúcsia, furiosa.

A vida foi me empurrando,
sempre, sempre a seu comando,
calma, crente ou curiosa.

Enquanto a vida ia,
a todo momento eu nascia,
louca, lâmina, lamentosa.

Hoje nasço ainda de novo,
mas, aos tapas, quebro o ovo,
amena, amável ou amargosa.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Harmonia

Eliane F.C.Lima

Asserção da paz do mar,

lasso.
Dissoluto, água do mar,
casso.
Orasse mudamente o mar:
Missa.
Posse paciente do mar,
fóssil.
Compõe a paisagem com o mar,
assombro.
Passa horas olhando o mar,
pássaro.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Maternidade


Eliane F.C.Lima

Ao saber da gravidez,
entre alegria e ânsia,
é mãe,
temor por seu filho no mundo.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A filha

Eliane F.C.Lima

Nasci. Na mão, convite alheio.
Entrei: festa desconhecida.
A música não era para mim,
os fogos não eram para mim,
o brinde não era para mim.
Olhei, dancei, bebi o que não era meu.
Ainda hoje me sinto estrangeira,
todos indagam quem sou.
Temo ainda que no final da festa,
eu, outra vez, encontre porta errada,
entrando em casa estranha eternamente.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Tempo

Eliane F.C.Lima

Metade da vida:
planejamento do futuro.

O resto da vida:
lembrança do passado.

Vida anulada:
perdido o presente.

Primeva

Eliane F.C.Lima

Voltar ao ovo,
quer seja útero,
ao guardado,
à hipótese,
projeto.

Voltar ao ovo,
à espera,
esperança,
ao silêncio,
proteção.

Voltar ao ovo,
quer seja óvulo,
primitivo,
inconsciência,
círculo,
hermético,
ovo.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Aspas simples

Eliane F.C.Lima

Uma pipa é um ser,
extensão de braço,
extensão de mão,
olhos, boca aberta,
sua atenção;
voando no ar,
gestos quebradiços,
se ela vai ou volta.

Uma pipa é um ser,
cabeça e cauda rota,
um balé gracioso,
vírgula ao vento,
peixe fino e aéreo,
agulha de papel
costurando o ar.

Corrente

Eliane F.C.Lima

O rio da vida.
Ora caudaloso,
ora fio d’água;
embalo de berço,
ora suas pedras,
pouso de sereia,
ou dente de cão.
A vida é um rio.
Suas correntezas,
árvore arrancada,
sua erosão.
Seus rodamoinhos,
bicho carregado,
galho em rodopio,
suas corredeiras,
tombo, queda-d’água.
O rio da vida,
seu prazo é o mar.

domingo, 11 de outubro de 2009

Momento certo

Eliane F.C.Lima

Dê um abraço por mim
e dê um beijo por mim.
Existe uma hora certa.
A minha hora eu perdi.
E não a perca por mim.

Existe um ponto exato
que deve ser o começo,
mas pode também ser fim.
Existe um ponto exato,
o ponto em que me perdi.
E não o perca por mim.

Existe a vida exata,
que nunca é não, é só sim.
A minha vida eu perdi,
não perca a sua por mim.
Dê um abraço por mim
e dê um beijo por mim.
E viva a vida por mim.

A lavadeira

Eliane F.C.Lima

A lavadeira da bica não entende de modas.
Usa saia estampada e blusa estampada.
Usa saia amarela com blusa roxa.

A lavadeira da bica não vê o bom gosto da patroa.
Roupa dela: dinheiro da comida;
sua roupa: cobertura do pobre corpo pobre.

A lavadeira da bica:
sabe o preço da roupa a lavar pela recomendação da patroa.

Reflexos

Eliane F.C.Lima

Este espelho me olha assombrado
e desconhece seu rosto refletido;
não sabe de quem é o riso gelado,
não consegue ver bem o olhar sumido.

Espelho, espelho meu, que ora duplico,
espelho, espelho meu, eu lhe suplico,
não fuja, estupefato, do semblante
que é meu, posto que é seu, por semelhante.

Encare a boca, aflita, também sua,
tal qual a dor perene e crua,
e a lágrima que a sua face molha.

Se hoje sou só eu que não sorrio,
se nesses dias sou a que não olha,
também há no espelho o que é sombrio.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Paz

Eliane F.C.Lima

É retomar o fio perdido da alma
e enovelá-la, aos poucos, caprichosamente,
até torná-la macia, acariciável.
É saber de onde se começa e para onde se vai
e, em círculos,
voltar sempre ao mesmo lugar.
É estar fora, firme e no caminho.
É estar dentro, quente, amorável,
envolver, sendo envolvida.
Como abraçar a mim mesma,
devolver-me o calor de meus braços,
novelo e mãos, mãos e novelo.
É como um cão enrodilhado,
sonhando felicidades pequeninas,
quase sorrindo,
de alma apaziguada, sem conflitos,
nem tentativas,
a não ser a de dormir aquecido sobre si.

A sereia

Eliane F.C.Lima

A sexta-feira acontece:
há uma vaga felicidade,
uma indefinida promessa de não-sei-quê.
Cada minuto é como uma porta aberta para um mundo
[ansioso,

para um fundo fugidio e convidativamente sensual.
A sexta-feira é o sonho, a esperança, o começo.
A sexta-feira, desde a quarta-feira,
requebra, chama, pisca e se encolhe.
A sexta-feira é sereia e ninguém resiste a ela.
Mas a sexta-feira finge que é tímida
e, quase sempre, não se dá.
Finda o domingo e nada acontece.
Agora vamos passar a segunda e a terça odiando a
[sexta-feira,

até que ela acene com seu faiscante vestido de festa
ou desabotoe, parcialmente, sua langerie.

Drama

Eliane F.C.Lima

Vi caras sentadas
de bocas tristonhas,

olhares gementes
de almas caladas
e línguas dementes.
Vi olhos que gritam,
vi olhos que fitam
sem ver, nem querer.
Vi homens, mulheres,
sob cujas peles,
o sangue se esvai:
sem boca, sem ai.
Vi corpos sem alma,
pessoas sem calma,
e sem coração,
silêncio profundo,
seres de outro mundo,
grades de prisão.
Vi caras sentadas,
vi pés sem estradas,
morte...solidão.
Vi sinos e sinas,
torres em ruínas,
rastro de correntes,
as dores de Jó.
Vi bicho, vi gente,
vi pêndulo e pó.

Fá-lo-ei, o homem

Eliane F.C.Lima

Falo hei,
para apontar as profundezas da feminilidade,
aberta e sugativa!
Falo há,
só como espada,
para derrubar as muralhas do preconceito
onde se erguem mulheres.
Falo sim, falo alto,
porque vaginas são como bocas mágicas:
comem falsos deuses e devolvem homens.

sábado, 3 de outubro de 2009

Infinir

Eliane F.C.Lima

Caixa de surpresas é a vida.
Acontece dentro do planejado:
surpresas.
Termina dentro do imprevisível:
a morte.
Caixa de madeira é a morte.

Último ato

Eliane F.C.Lima

A morte é o término do espetáculo:
cadeiras vazias, palco vazio, escuridão e silêncio.
A morte é um fim de festa:
a agitação se foi;
só resta o resto a recolher.

A viagem

Eliane F.C.Lima

É para fazer uma viagem
que embarco no teu navio,
com calmaria ou tempestade.
A luz do teu corpo guia meu destino
e não sei se é prazer ou se corro perigo.

É para fazer um destino
que embarco na tua tempestade,
com luz ou com perigo.
A calmaria do teu navio guia meu prazer
e não sei se é corpo ou viagem.


É para ter um prazer
que embarco na tua luz,
com um navio ou com teu corpo.
O perigo da tua viagem guia minha calmaria
e não sei se é tempestade ou destino.

Sem roteiro

Eliane F.C.Lima

Descendo por suas costas
minha mão desliza,
cobra vertiginosa.
Sub-reptícia, a sibilina se insinua.
Vício e volúpia, volta e virada.
Procura cantos e desvios,
vagos e vagas, montanhas.
Minha mão na sua nuca,
adivinha o arrepio,
sente do peito o cio.
Tatuagem deslizante,
mordidas ofídicas nas pontas dos picos.
A serpente de meu braço,
descendo sobre seu ventre,
se enrosca no entre
de suas coxas.
Abraço que só se abrasa
em úmidas, paragens toscas,
por dentro de grutas e roscas,
timidamente, se esconde,
gulosa, no centro do onde.

domingo, 27 de setembro de 2009

Indivíduo

Eliane F.C.Lima

O desejo aquece pensamentos
e choca ações.
O desejo ferve e entorna,
mas aviva o fogo.
O desejo é febre,
dá febre,
e há convulsões.
O desejo convulsiona o caráter
e desvia o comportamento.
O desejo faz e desfaz,
manda e desmanda,
é tirano, é bandido,
é dócil, é doce.
O desejo é o indivíduo
e faz multidões
e perpetua a espécie.
O desejo é uma espécie
de fogo,
de febre,
de doce,
de tirano,
de ação,
de pensamento,
de multidão.

A materna noite

Eliane F.C.Lima

Que a noite sempre venha e caia em volta de mim como um
[útero.
Que seja de mãe a penumbra que fecha meus olhos;
que seja de mulher a mão noturna que afaga meus cabelos,
que apazigua minhas dúvidas,
que entorpece meus conflitos.
É bom que a noite sempre vença o dia, todo dia: todo noite.

Indo

Eliane F.C.Lima

Viajo sozinha.
Deixei a mala.
Sem lembrança do que ficou.
Nem o cheiro do passado.
Não olho para trás.
Nem observo a paisagem.
Não ouço o canto dos pássaros,
não vejo o verde,
nada de fotografias.
Sem álbum de viagem.
Não fruo o vento.
Nem sei se há vento.
Mas piso a rudeza do chão
e as duras pedras
que não sei quem atira.
Fechei a porta da estrada:
não quero que ninguém me acompanhe.
Tampouco sigo pegadas.
Não tracei um percurso.
Não procuro atalhos.
Não planejo aonde chegar.
Mas há um caminho
que eu caminho,
querendo que não seja longo.

Procurando alguém

Eliane F.C.Lima

À minha amiga e poeta Marise Ribeiro

Andei na vida procurando coisas:
tinha certezas e muito esplendor.
Andei na vida procurando tudo,
achei pouca alegria, muita dor.

A cada fase, uma busca nova,
a cada curva, um encontro inusitado,
achando aquilo que não procurei,
esfacelada pelo encontrado.

Hoje só busco a mim: quero me achar.
A vida me perdeu a cada esquina.
Busco, ao menos, do antigo olhar,
a esperança confiante da menina.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Poema aos simples

Eliane F.C.Lima

Quero a simplicidade dos poucos pensamentos de uma
[pessoa ignorante;
a simplicidade da roupa preta debruada de branco;
a simplicidade do chinelo, do banho de rio...
e dos urubus dando voltas no azul.
Quero a simplicidade desses mesmos urubus,
pousados, espiando a chuva dos beirais dos telhados.

Para quem vai chegar

Eliane F.C.Lima

Vejo-me na roseira:
tenta olhar
por sobre o muro;
quer ver, aflita,
você chegar.
Em verde esforço,
crescendo em tronco,
espinho e folhas,
sorvendo o sol,
sugando a terra,
bebendo a chuva,
vai para o alto,
o duro muro.
Em firme posto,
mirar a rua,
o seu caminho,
seu doce passo,
seu doce rosto,
seu acenar.
Enquanto sobe,
saudosa chora,
rosas lilases,
que, contumazes,
vão perfumar.
Triste sou eu:
não sei chorar.

A sereia e o mar

Eliane F.C.Lima

Esse amor chegou, aos poucos, devagar,
chegou como chega um manso mar
até a areia.

Meu coração distraído, sem sabê-lo,
quedou-se ali, penteando o cabelo,
qual sereia.

E a maré, docemente, foi subindo.
Meu coração, orgulhoso, sucumbindo
à maré cheia.

Quando viu era céu, mar, amor.
E batia, afogado, sem ter dor,
em água alheia.

Dentro do túnel

Eliane F.C.Lima

Onde será que eles vão com tanta pressa?
O que será que buscam?
O fim do mundo?
Ou o princípio?
Onde será que eles vão com tanta pressa?
Que sinais indicam sua rota?
Que motivos impulsionam sua partida?
Que arcanjos esperarão sua chegada?
Será mandado de Deus?
Ou lei dos homens?
Será medo ou coragem?
Busca ou fuga?
Haverá um ponto de chegada?
Ou o importante é só ir?
Onde será que eles vão com tanta pressa?

Ser

Eliane F.C.Lima

Cada pessoa é uma pegada na areia:
a onda apaga.

Uma pessoa é só espuma na areia:
o vento seca.

Uma pessoa é resto de mar na areia:
a areia bebe.

Uma pessoa é onda que vem para a areia,
que vai, não volta.

Soneto aos cinquenta anos

Eliane F.C.Lima

Vejo marcada, assim, em minha face,
a frágil flor da perigosa vida,
que é jardim onde se criam flores
que germinam, vivendo de ferida.

Cada ruga que marca minha pele
é um caminho vago e sem saída
das emboscadas lábeis dessa lida,
das armadilhas dúbias dessa sorte.

Nunca percebo um rosto de pessoa,
mas um tempo, banido, que escoa,
entre sonho e guerra, ponte ou corte.

Vejo impresso, assim, em meu destino,
um rosto que reflete o desatino
de lutar, dia a dia, até a morte.

Uma história medieval

Eliane F.C.Lima

Dedicado à Amélia de Oliveira (vá a meu blog Literatura em vida 2, no item Literatura de ontem 2, clicando aqui) e a todas as Amélias, o que parece não ser um nome, mas um destino.

Se há anjos, também há dragões,
que vomitam fogo
e parecem consumir o mundo.
Dragões sempre ameaçam cidades.
Mas, também, sempre há um herói
que quer salvar uma donzela solitária.
E uma cabeça carregada, pelos cabelos,
entre os gritos do povo.
O herói procura por florestas inóspitas
e segue o rumor dos urros quentes.
Mas é minha donzela, finalmente,
quem vence os anjos
e passa com a cabeça do herói,
triunfantemente sozinha,
entre as labaredas aconchegantes de seus dragões.

Só amor

Eliane F.C.Lima

Sou uma flor quase branca
e macia, incrivelmente macia
e delicada,
que tem uma vertigem
ao imaginar o contato,
em suas pétalas,
da primeira gota de orvalho.
Uma flor que fugiu do lilás
e foge do sol,
que ama a sombra
e a noite só de sombras;
que deixa a tal gota de orvalho
a primeira -
ou, às vezes, a última - escorrer
para prolongar o prazer,
vagarosamente, em sua intimidade,
acariciando sua inefável,
intocável película.
Uma flor não amarela,
não branca,
mas suave e delicada,
que imagina que a gota de orvalho
é outra flor,
e é fria,
e o escorrer é carinho
dessa flor apaixonada,
dessa flor que escorre
e volta sempre,
ainda mais delicada
- se é possível -
e transparente,
que fugiu, definitivamente, do branco,
[do amarelo, do lilás, de qualquer cor.
A cada início de noite,
desse modo,
tem um estremecer,
ao imaginar
que é flor o que é líquido,
que é amor
o que é amor.

O barco










Eliane F.C.Lima

Naquela ilha, batem marés de felicidade.
Naquela ilha, rolam as espumas da calma.
Naquela ilha, as aves da tranquilidade sobrevoam...
e pousam.
É naquela ilha que crescem as verdes árvores do silêncio.
Naquela ilha, o sol não fere, cai como uma névoa,
não tem pontas a sua luz, só ressalta as formas da paz.
Aquela ilha não tem praias e é cercada de pedras,
qualquer um não chega lá.
Aquela ilha fica longe e eu estou aqui.
Não sou maré, não sou espuma, nem ave.
Devo descobrir um meio para me aproximar
e plantar minhas sementes.
Mas só eu sei
que o melhor daquela ilha é olhar...
silenciosamente...
e ter um sonho verde de chegar lá.

Esse útero

Eliane F.C.Lima

Navega no espaço, solta e silenciosa,
como um seio-esfera,
como totalidade,
a mãe.
Fechada sobre si,
fechada sobre mim,
abraça a cria: mãe.
Abre seu ventre
e me dá ao universo,
no meio da noite.
Olhos de água,
corpo de terra,
hálito de vento,
mãos de árvores que me acenam,
na tempestade.
Amamenta-me com seus rios, cascatas, sua chuva.
Deusa-Terra, mãe Gaia,
que me guarda,
que me receberá
novamente e para sempre,
filha de sua mãe,
em seu rotundo ventre.

Natal

Eliane F.C.Lima

Terrível é passar o último Natal
com alguém amado
e que se vai perder,
na inconsciência desse fato.
É não aproveitar cada olhar,
cada palavra alegre,
cada brinde,
e no abraço, na ceia,
não estreitar, profundamente,
para guardar para sempre.

Terrível é tentar reviver,
depois, com desespero,
o que disse, o que riu, o que calou.

Terrível é não ter deixado,
ao menos, dessa vez,
todas as palavras doces
e eternamente guardadas,
aquela emoção verdadeira
e eternamente adiada,
o grande amor
eternamente contido
transbordarem por inteiro.

Consolo é passar o último Natal
consigo mesma,
na piedosa ignorância dos que irão.

Viver

Eliane F.C.Lima

Esse pendular perdura,
preso, preto, persistente.
E pendura em suspense,
para sempre em meu peito,
esse pleno pavor.
Vagabunda vida vígil,
vivo vendo
suas vagas vinganças.
Vive vindo,
em suas vielas vis,
o seu veneno,
esse louco valor.

domingo, 20 de setembro de 2009

O eterno inverno











Eliane F.C.Lima

Aos parnasianos

Bem-vindo o certo e necessário inverno,
que leva embora as folhas amarelas,
livrando a amendoeira do inferno
de arrastar o velho e gasto junto a elas.

Logo a nova estação é nova vida:
de um tempo infeliz vai-se a lembrança,
remoça o tronco, que já não se cansa,
se o verde traz a condição perdida.

Meu corpo tão usado e desigual,
mantém eternamente o antigo mal,
que soma peso ao mal de novas eras.

Meus doidos sofrimentos não se vão,
não vêm novos sonhos com a estação
eu eu sempre temos outras primaveras.

Filosofia pétrea

Eliane F.C.Lima

Perfeita concretização da estática,
uma pedra é um universo fechado sobre si:
nada ao exterior,
sólido egoísmo,
introversão congelada.
Uma pedra é a substancialização do hermético,
em seu sono hibernal.
Pura discrição,
nada ouve, nada vê, nada fala,
uroboros petrificado.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Vegetar

Eliane F.C.Lima

Assemelhar-se à planta:
nenhum gesto de ânsia,
nenhum objetivo formal,
só reserva e silêncio,
completa dissimulação.
Sem esgar de decepção,
dá a volta, se não pode a reta,
imperceptivelmente.
Sem orgulho ou comemoração,
excede limites,
conquista o alto,
atinge o profundo.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

E gira

Um mundo fechado de perfume e seda,
um mundo aberto de miséria e morte.
Um ronco histérico de motor de carro,
um urro histérico de boca de homem.
Uma criança que vomita de fome,
uma mulher que vomita o whisky.
Um urubu comendo um boi morto,
um pássaro azul numa gaiola de ouro.
Uma taça de champanhe contra a luz de candelabros,
uma taça de vinho contra a luz do altar.
Um verme sobre um cadáver podre,
uma serpente verde no corpo nu de mulher de circo.
Um pé que samba,
um pé que esfacela.
Uma mão que apalpa,
uma boca que ri,
um olho que chora.
Um olho cor de mel,
um olho azul,
um olho castanho,
um olho verde,
um olho negro,
uma negra cavidade sem olho.
Um estalar de fogos de artifício,
um retumbar de bombas.
Uns ombros que sacodem ao som de rumba,
uns ombros que sacodem ao som de rock,
uns ombros que sacodem ao impacto de balas.
Um homem e uma mulher.
Uma mulher e uma mulher.
Um homem e um homem.
Uma criança que brinca,
uma criança que não nasce,
uma criança para sempre criança.

sábado, 12 de setembro de 2009

Da lagarta e do casulo

Eliane F.C.Lima

Gesto dentro de mim uma lagarta prateada
que tormentosa não se quer dar ao mundo.
Da borboleta despreza o colorido profano.
É o sozinho seu campo de batalha,
a escuridão seus ataques contínuos,
o recuar o seu golpe fatal.
E se enrosca... e luta,
e se introverte... e lança.

Natureza

Eliane F.C.Lima

E assim é o mamoeiro que cresce:
não tem moral, nem ética, nem caridade.
Seu único compromisso é a vida,
é subir, é furar o ar, é molhar-se de chuva.
Silencioso e verde, escolhe o melhor.
Alonga-se para os lados,
preguiçosamente,
abrindo braços e mãos.
E parte para o céu
- guarda-sol natural -,
buscando o azul.
Não agradece à terra,
não divide com companheiros,
não saúda aves.
Permanece ontologicamente bom,
por estar vivo e só.


Este poema foi escrito em Praia Linda, bairro de São Pedro da Aldeia, Região dos Lagos, Rio de Janeiro, meu paraíso, onde escondo, egoisticamente, minha felicidade. Numa certa época, plantei ali mamoeiros. Observava-os, a cada vez que ia ali. Não colhi quase mamão nenhum, mas, para me compensar, me proporcionaram uma lição profunda de natureza, não só no sentido ecológico, tão na moda, mas no que lhe dá a filosofia, segundo o Aurélio: "Essência".






Insólito

Para Adriana Calcanhoto

Eliane F.C.Lima

Dentro deste prato inexorável,
fios de macarrão me olham indiferentes.
Enrosco os fios ritualisticamente
e a comida me incomoda, pedras no sapato.
Não sei se como ou se mastigo mágoas,
não sei se como ou se abro ferida.
Fios de macarrão são como larvas,
caem do coração, devoram a vida.
Dilacero meu ser dilacerado entre os dentes,
fios de macarrão, dores pendentes.
Misturo os gemidos com o molho rubro,
sangro e queijo.
Meu estômago agora repleto de sofrimento.
Olho o macarrão e ele chora... lamento!
Poucos fios de mim dispersos sobre o prato.